quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Tremor Exagerado - 3a Parte

... 3 ...

Eles entram. Figuras do Rio, influentes na arte, admiradores com alto poder aquisitivo. Muitos estão ali para observar, admirar, entender o que se passa na mente dos expositores. Outros, meramente buscam contatos, para seus empreendimentos, para deleite noturno.

Ian está a degustar um café. Fora da área de exposição. E pensando na dificuldade de comunicação com esse mundo que para ele é hipócrita. Medonho.

Perla chega, ainda não tinha entrado. Para no café para falar com o amigo.

“Então Ian. Não vai entrar.”

Ele não responde.

“Ian. É sua arte...”

Ele interrompe. “Eles não merecem. Pensam que estão comprando bilhetes para a alma do expositor. Quando na verdade estão expondo todas as suas fraquezas. Poder. Pedância. Hipocrisia.”

“É Ian... Compreendo-te. Mas tem que admitir que são eles que pagam suas contas.”

“Gostaria de não tê-las. Estou me cansando desta cidade.”

“Bom... Vou ver o que aprontou.” Ri com carinho a amiga.

Perla entra. Com ar de quem vai ceiar a mais bela das ceias. Com fome de compreender a alma dessas pessoas completamente absorvidas por suas interpretações da realidade. “Como podem ter capacidade de captar tanta coisa?” – Pensa.

E se assusta. Logo que entra é recebida pela exposição de Arnaldo. Vê a interação de pequenos robôs que riem um do outro, fecham portas, voltam à abri-las e riem novamente. Como crianças. Um deleite. Quanta tecnologia aplicada pra mostrar um sentimento humaníssimo.

E passeia. Para. Ri. Sente. Emociona-se. Não percebe quem está ali e continua para as outras exposições.

Lê a apresentação. “Ian Bortago.”

Respira fundo para admirar o que o amigo fez. E não acredita no que vê. Sente um nojo. Do coração escorrendo pela parede. E sangue em seguida. Vísceras. A parede de ladrilhos brancos. Um avental de plástico no chão... Branco. Suspira. Entende.

“É um abatedouro!” Pensa indignada. Seria uma mensagem para ela? “Olha o que seus pais fazem.” Pensa em Ian te dizendo.

E sai da exposição. Furiosa. Possessa.

Dirige-se ao café.

“Ian deve estar tomando o décimo terceiro expresso.”

E estava. Além da feição absorta em si mesmo, um cinzeiro repleto de esqueletos de cigarros.

Ele a vê. E sorri. Sorri como quem sorri de alguém ridículo.

Ela o aborda.

“Porque fez isso?”

“Porque é o quero que veja.”

“Eu sabia!”

Não se despede e deixa o MAM, as exposições e Ian a se entupir de café.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Tremor Exagerado - 2a Parte

... 2 ...


Dia 19 de outubro de 2007. Mais uma data pra ser marcada no calendário pessoal de Ian. Hoje ele está a montar uma exposição diferente no MAM. Cuidadosamente posiciona objetos de sua criação. “Não sei como consegui chegar a esse ponto de vista.”, murmura para si mesmo. “Mas, com certeza é a ideologia mais próxima que tenho do abate de bois e vacas.” e ri. “Engraçado. Fico pensando na semelhança anatômica com o ser humano. Poderiam ser eles, bois e vacas, a retratar o nosso abate aqui!”.

Aquele fim de ano era diferente para Ian. Foi convidado a expor com construções. Já conheciam sua prática com objetos e composições. “Aquilo é demais!”, pensava o curador, assistindo cuidadosamente a colocação dos objetos e a finalização com outros instrumentos: tinta, cola e adereços diversos.

“Pronto!” - virou-se para o Curador, Ian.

“Está excelente!” - responde o responsável pela exposição no MAM.

Nesse momento chega Arnaldo, Arnaldo Rogierard. Artista Plástico, que usa elementos eletrônicos de última geração em suas composições. Festejado pela comunidade que entende sobre o que há de mais vanguardista. “Sujeito intrometido...” - Pensa logo Ian. Não suporta o ar pedante e falsamente imponente do colega.

“Ian. Sempre com sua visão extremamente política. Não gosta de carne vermelha?” - Ri o artista rival, de forma provocante.

“Já me vou, senhor. Terminei o que tinha pra fazer aqui!” - Fala Ian ao curador.

“Obrigado por participar. Sua obra é muito singela.”

“Bom... Eu ainda tenho que montar um último circuito elétrico. Mas enfim. Tempo tenho de sobra. Não é senhor?” Pergunta Arnaldo ao curador.

“O senhor que sabe. Contanto que às oito horas possa preparar a entrada dos convidados, Arnaldo.” Responde de forma ríspida.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Voltei... Para postar outro conto!

Pra publicar esse conto que me foi caro...

Segue:

"Tremor Exagerado"

1

Mesmo com tanta angústia, se sentia satisfeito. Não dar atenção para o mundo. Se prender no seu. Perceber que a realidade pode estar apenas dentro de si mesmo. Do indivíduo.

“Quem quer saber o que eu penso? Querem que eu saiba o que pensam? Então não me escutam? Tudo bem, eu mostro pra eles o que penso!”, refletia Ian enquanto continuava a fumar seu cigarro.

“Café, faz falta um agora...” Resmungava para si mesmo.

Sujeito fechado, cheio de manias e teimosias, era considerado assim o jovem artista plástico: Ian Bortago.

Anti-carismático, quando chegava a alguma exposição sua, concluía que todos ali estavam muito aquém do que realmente acreditava: a dor.

Dor de não existir.

“Ninguém existe. Vivemos num mundo milhares de vezes, re-copiado!”

Cheio de frases de efeito. A maioria esmagadora achava difícil conviver com um sujeito assim. A não ser Perla.

Filha de criadores de gado, Perla vivia num mundo de ilusão e achava difícil aceitar sua realidade, mas se entregava assim mesmo, com muito jogo de cintura. Sabia que devia muito aos abastados da família Noleto, e seus amigos, muito mesmo!

“Sou o que comi do suor deles. E sou grata a isso.”, suspirava para Ian, durante uma visita ao amigo no seu pequeno, porém charmoso ateliê.

“A vida do Leblon está aqui Ian!”, falava Perla enquanto olhava para a retratação de um casal de gaivotas destacado no meio da multidão, no céu escarlate do por do sol.

A pintura de Ian tinha muito de expressiva. Traços fortes, tensos, cores fortes, puras. Às vezes, o dedo era seu próprio pincel, nada de formas perfeitas. O belo atacava o visual através do olhar assustado, cheio de dúvidas sobre o que se tratava, mas firme no impacto. Acabava transmitindo para o admirador mais insistente, sua mensagem e intimidando os admiradores menos pacientes com sua visão desligada da realidade pertencente ao comum, ao social, ao padrão.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Ser - 3 Partes

1ª Parte - Consciência

No fundo
Somos pó, somos bicho, somos lixo
Somos luz, somos sombra, somos tinta
Somos vida
Itinerante


2ª Parte - Limite

Na casa de cada ser
Mora o universo
As pequenas criaturas guardam em si
Metade do segredo
A existência
A outra metade
É segredo mesmo
É o futuro
É a morte
É a incerteza
Certeza?
De que nada para
Tudo se movimenta


3ª Parte – Presença

Quando me perguntam o que quero...
Faltam-me palavras pra responder
Mas um pensamento sempre ocorre
Que na memória do acontecer
Fica registrado algo gigante
Imenso
Apesar de ter quem tente apagar ou corroer
A verdade é imbatível
Demora
Mas gosta de aparecer
O momento é esse. É agora.
Faça, deixe registrado
A passagem do teu ser

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 9º e Último Capítulo

Antes de postar, quero dizer que tenho um gosto especial por esse conto... Depois de tantas tentativas de colocar uma ídeia em prática, me veio esse...

Obrigado pela leitura e deixe seus comentários no blog ou e-mail que serei muito grato!

Chal - Gustavo Balduino

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“A empresa tem sede na grande São Paulo e também no interior do estado. Teria deixado de recolher mais de 13 milhões de reais entre 2003 e 2004. Segundo as investigações, a exportadora teria simulado a compra de café em Rondônia para obter créditos tributários no estado de São Paulo. Para isso emitiu notas frias. Fiscais da Receita estadual, um promotor e policiais militares fizeram busca e apreensões em sete escritórios da empresa.”

O noticiário é interrompido pelo controle na mão de Adriano.

2 anos. Já se fazem dois anos. Não adiantou. Nada. O chão está terminando de desabar. Astolfo deve estar bem, no leste europeu.

Lídia? Ronaldo foi porta que abriu a alma da bela moça à realidade. A pureza talvez se foi. Ou não...

Laura deve se vangloriar dessa notícia. Quanta raiva por mim. Sua contribuição foi decisiva na investigação do Ministério Público. Mediante informações extorquidas na minha cama. Na cama de Ramos. Teve o que queria. Passeios pela Europa. Com o divorciado Astolfo.

A mim... Resta esse apartamento. O telefone de Lídia que nunca mais ousei chamar.

Talvez... Seja uma boa hora.

O viva-voz sonoriza a chamada. Lídia atende. Se apresenta hoje no teatro municipal. Entoando versos ao telefone. Animada com a chamada após dois anos de desencontros. Pede ao interlocutor que se apresente. Na platéia. E ouça com ela o último verso.

“Hoje morre o ego, nasce o permanente.”

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 8º Capítulo

... 8 ...

O gelo se dissolve. O dedo continua a rodar no interior do copo. A visão embaça. Ele sorri. Talvez esteja conseguindo enxergar o mundo melhor. Não compreende. Nem como trazer o valor de um café inferior para o preço do café mineiro. Nem como explicar à Lídia quem é a real traidora.

Olha novamente para as projeções de descontos, sobre os valores que serão declarados. “Vai ficar na cara.” Pensa. Café de Rondônia supervalorizado. A Receita não é tola.

Talvez Lídia precisasse aprender com a Receita.

Ou o contrário.

A visão embaça de novo.

Mais um gole no destilado.

Lembra-se de uma poesia de Lídia. De como ela manifestava-se pura. Inocente. Como uma criança. “Ela não cresce. Como poderia ser mãe? Talvez fosse isso. Seria a melhor mãe.” Pensa na sua mãe. No carinho que alimentou pela garota que há poucos minutos o deixava absorto em pensamentos no Al Kabhar. Lembrou do azeite. Palavra árabe. Lembrou...

Com susto, se levanta. Com o ouvido novamente interpretando o dolorido toque que o telefone exercia no seu ser.

“Oi...” Suspira com a voz irremediavelmente rouca.

“Senhor Adriano.”

Ele olha o relógio. E corre para o banho.

“Senhor Adriano? Senhor... Senhor...”

Sinal de ocupado soando pelo viva-voz na casa inteira.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 7º Capítulo

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Talheres... Uma sinfonia deles. Ao chegar ao restaurante e depois de algumas risadas ao som de Ben Harper, no novíssimo honda da moça, uma música diferente. A música dos restaurantes. Mesmo os finos, como o Al Khabar.

“Azeite é árabe?”

“A palavra sim!” Responde Lídia

“Ora... Então somos ladrões dos árabes no azeite também?”

“E dos romanos... Óleo. Óleo de oliva. É um exagero. Pois óleo já significa que é de oliva.”

“Então a soja deveria se chamar graxa?” Ri Adriano.

“Talvez. Mas nunca me fale em azeite de oliva. É uma repetição horrível.”

“Sim... Letrada.”

Lídia era fruto dessas apaixonadas por etimologia de palavras. Sua mãe, escritora de renome. Seu pai, músico. Seu corpo esbelto estava envolto dessa aura mágica da comunicação. Seja harmônica ou letrada.

Talvez por isso a imprevisibilidade. Pela espontaneidade constante.

“Então. A Laura agradeceu pela carona. Estava muito cansada para deixá-la em casa.”

“Agradeceu pela carona?” Pensou. Como a garota era tão ordinária. Com a própria amiga? Ta certo que a amizade delas é por intermédio dele. Ele as apresentou. Mas porque a Laura teria tanto interesse assim em encher a amiga - se é que era amizade isso - com mentiras e sacanagens?

“Quem estava com você no outro dia? Uma garota atendeu o telefone... Desculpe, me esqueço... Não quero interferir...”

“Os senhores gostariam de sentar na área de fumantes ou não fumantes” Interrompe o maitre.

“Fumantes, por favor.” Diz Lídia olhando com ternura para Adriano.

“Obrigado. Ainda tenho vergonha de dizer isso...” Murmura ao ouvido de Lídia enquanto sorri de volta.

O tempo passa e os dois procuram se entender. Sabem que não se joga para trás tanto tempo. Tanta dedicação. Durante a curta hora que possuem contam notícias de ambas as vidas e deixam passar despercebido, um para o outro, a atração sincera que ainda sentem. A sede de poesia.

“Mas porque não? Filhos são bons para dar uma apaziguada na tristeza...”

O silêncio.

“Preciso voltar. A coisa ta feia pra mim lá. Entende?”

“Entendo. Vamos pedir a conta.”

“Ta. Pode deixar Lídia. Eu pago.”

“Carteira nova. Linda...” Um bilhete cai na mesa.

“Ainda desenhando? Posso ver?”

A expressão de Lídia fica contorcida.

“O que foi Lídia?”

“Como vocês foram capazes? Não é possível...” e mostra no verso do desenho, o texto que o guardanapo escondia.

“Gatão. Obrigado pela noite. Você é um homem e tanto. Laura.”

A silhueta esbelta da garota vai sumindo pela porta do restaurante.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 6º Capítulo

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“Senhor.”

“Por favor, me chame de Adriano, Roberta.”

“Sim, senhor Adriano.”

Ele sente falta da antiga secretária. Mas não da amiga da Lídia. Mas da profissional. “Porquê?” Pensa. “Porque fui me entregar àquela bruxa?... Que elogio, para Laura.”

“A senhora Lídia espera para ser atendida.”

“Ela está aqui?” Pergunta, assustado.

“Não, senhor. Ao telefone.”

“Como a Lídia gosta de telefone” Murmura para si mesmo.

“Tá. Pode transferir.”

“Adriano?”

“Sim.”

“Trabalhando muito?”

“Como sempre.”

“... É... Gostaria de almoçar comigo? Tem uma nova casa de azeite, vinhos e pães no jardins.”

“...” “Silêncio. Tem existido muito silêncio” – Pensa – “Tá. Onde fica?”

“Eu vou te buscar.”

“Estarei aguardando... Às 14 horas. Ok?”

“Nos vemos às 14. Apesar do meu estômago nesse horário já querer rachar!” Ao fundo risos.

Ele sorri. Lembra de momentos doces.

“Até!” – Se recompondo.

Pra quebrar um pouco o ritmo...

Pra dar uma geral e quebrar um pouco o ritmo do conto, vou falar sobre uma coisa que me é essencial.

Ter uma visão de que na vida, dentro dos relacionamentos pessoais é necessário, sempre que possível - e isso quer dizer o mais possível que puder - ser SINCERO.

A sinceridade dá um tom na relação de filho, filha, pai, mãe, companheiro, companheira, amigo, amiga de igualdade. Sempre temos a sensação de que estamos pisando num chão firme, que não ameaça cair a qualquer momento.

Claro. Porque a individualidade é exercício social. Ninguém é capaz de viver isolado. Não? Por isso a comunidade se une. Por isso temos amigos, família.

O liame que divide a individualidade dos relacionamentos pessoais é a sinceridade. Que deve ser ofertada com cuidado, em momentos e lugares propícios.

Versos:

União

Passo certo
Medido a tempo
Promove o caminhar
Leva bagagem para ficar
Fixa a raiz
Levanta do chão, acampamento, casa, casamento

Perfeita união de momentos
Individuais e frutos do partilhar
Do querer
Do buscar
O eterno desenvolver do ser

A sábia maneira de fazer
Do dia
O amanhecer
Do corpo, doar

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 5º capítulo

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“There´s no way!”

Adriano volta-se para o diretor comercial.

“Sir, senhor. Por favor. Considere nossa proposta. Não tem como existir preço mais baixo para a qualidade do nosso café verde. Você não está comprando café de Rondônia. Mas de Ouro Fino. Troque a qualidade então.”

“Mr. President. Sorry. Presidente.” Em um sotaque notavelmente alterado pelo nervosismo. “Não é meu problema sua incidência de impostos. Vocês devem contornar a situação. Preciso: qualidade e valor baixo. Compreende?”

E agora se vira para o diretor de finanças. “Malfadada família turca” – pensa. “Só cuidam de finanças”... “E qualidade...” Se rende. E passa à analogia com o americano, diretor de compras da Five. “Talvez por isso, árabes e americanos só entendam o valor das balas de metralhadoras e fuzis” – Voltando de seus pensamentos torpes dá por encerrada a reunião. E promete investigar uma forma de baixar os preços com a equipe.

“Podemos burlar a incidência de impostos...” Fala ao ouvido de Adriano, o advogado da empresa. “Rondônia. Não é má idéia. Eles estão com uma excelente política de créditos tributários.”

“Falsificar notas?”

“Não. Investir no governo de lá. Mas somente no governo.” – Escapa o advogado.

“Ouro Fino de Rondônia. Não vai ser fácil...” E olha para o americano saindo.

“Podiam mandar alguém com português melhor. Não negocio em outra língua em São Paulo... Acham que estamos bajulando. Quando devem nos bajular.”

“Você fez bem”. Diz Astolfo. Filho de Ahzan. Diretor financeiro e promissor novo patriarca da empresa.

“Não podemos entregar nosso produto de mão beijada. Meu pai escolheu bem o nosso presidente.”

Adriano sente nojo. Como se fosse mero fantoche. E novamente o garçom lhe vem à cabeça. E novamente pensa na noite em que transou com Laura. Em Lídia. Cercada pela amiga sacana.

“Ramos?!” Vira-se para o advogado.

“Vamos degustar um choop?”

E ao sair já liga para Ronaldo.
“O sacana deve ta rindo da minha cara até hoje...”

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 4º Capítulo

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O suor escorre pelos olhos. A respiração é ofegante. “160 bpm” – o visor do polar indica. No ambiente, mais ou menos 300 pessoas faziam a mesma coisa. Corriam. Pra afastar problemas. Pra manter o corpo ativo. Pra demonstrarem poder. Através do corpo.

“Não existe ganho sem dor.” Pensava ele na máxima das academias. E como doía.

Mas o que mais doía, não era o corpo. Era saber que sua vida estava assim: mecânica. Como se tivesse ligado o piloto automático e não soubesse onde desligar.

Lembrou-se da faculdade. Dos pais que não mais via. Nem mesmo em datas importantes. Como esta: seu aniversário. 14 de outubro de 2003. Fazia então trinta e cinco anos.

Há quinze anos estava estudando, na FGV.

Lembra de chegar em casa, depois de uma noite maravilhosa com Lídia.

“Então? Como foi a noite?” Perguntou seu pai, Arnaldo, sentando-se na mesa para tomar café.

Adriano tira a jaqueta e responde – “Boa. Com final ruim. Não suporto a sensação de ter que esperar muito pra me juntar a ela. E toda vez que a deixo em casa sinto um vazio.”

O senhor estende a mão pedindo a manteiga – “Filho. O vazio é inerente ao homem. Se juntar a ela não irá preenchê-lo. Acredite!”

Adriano olha para o café.

“Tá adoçado?”

“Sim. Como sempre.”

“Minha mãe não tem jeito. Assim tenho que sair mesmo. Ou viro uma bola quando começar a trabalhar.”

Sorri. E percebe que quinze minutos se passaram. Assim como a dor. E lembra-se do sabor do café de casa. Sabor que o acompanhou desde a infância.

Novamente sorri – “Americanos. Não sabem fazer café...”

E uma preocupação vem à mente. A negociação com a rede Five. E o grande negócio que teria que fechar nos próximos dias. Pensa em Ahzan. Seu patrão e dono da Arábica. Pensa na família dele. Pensa no que vem pela frente.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 3º Capítulo

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Entrando pelos corredores, como há cinco anos já fazia de forma única, Adriano percorre os olhares intrigados dos funcionários. Deixa a pasta cair sobre a mesa de sua secretária, puxa a maçaneta e entra em sua sala.

“Mais um dia nesse antro.” Reclama da má sorte. Para novamente a olhar o espelho. Tem vontade de se desenhar. Olha pro outro lado. A gravura de Picasso o intriga. O faz pensar na sua mediocridade.

Volta os olhos para a tela do seu computador. Analisa a cotação das ações da Arábica, a maior distribuidora de café verde do Brasil para o exterior. Não existia café industrializado que se contivesse no rótulo: brasileiro, sem que pelo menos passasse por uma negociação com eles.

“Preciso de um novo relatório para os controladores! Preciso mostrar pro mercado que essa cotação ainda está abaixo do real valor.” E novamente o Picasso. Novamente ele não se contenta em manipular informações. Queria ser mais abstrato. Menos preciso. Mais embaçado.

“Senhor?” Entra a secretária nova em sua sala. E de pronto, Adriano a interrompe:

“Você sabe usar o interfone?... Diga!”

“A senhorita Lídia ligou. Perguntou se o senhor gostaria de almoçar com ela.”

O silêncio se fez. Novamente. Em menos de duas horas. E novamente, Adriano passa por cima do silêncio.

“Diga a ela que realmente não estou com tempo essa semana. E me traga a Gazeta, não chego aqui sem que a Gazeta esteja na mesa.”

“Sim... Senhor.”

Altiva. Porém com humildade a secretária fecha a porta.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Café Amargo - 2º capítulo

Divirtam-se!...

... 2 ...



São Paulo. Mais de 20 milhões de habitantes. Encravada na mata atlântica, uma pedra. Várias pedras... Milhões de pedras... Calor sufocante? Não, por incrível que pareça esse era um outono frio. Mesmo com tanto concreto. Mesmo com tanto gás tóxico: monóxidos, dióxidos e outros óxidos de carbono, enxofre...

“Nossa... Dez pras seis?” Adriano levanta-se. Olha para o espelho. Barba. Começa a fazê-la. Toca o telefone. Toca como se estivesse dentro da cabeça dele. Que dói. Uma metástase de dor que se espalha pelo corpo. Para no estômago e volta a subir. Um redemoinho.

“Cadê esse telefone?”

“Alô?” A Suave voz feminina ecoa pelo corredor.

“Ora? Será possível?” Pensa ele. Que olha de novo para o quarto e agora vê os sinais de uma boa noite, não na memória, mas que se delatava em cada canto do quarto.

“Quem é que eu trouxe pra cá hoje?” E em meio os pensamentos, tenta lembrar-se da noite anterior. Lembra de Ronaldo. Lídia. Laura... “Laura?”

“Oi gatão!” A loira atlética acaricia seu pênis. O corpo do homem estremece. Ele se refaz. O sorriso irônico volta aos seus lábios antes preocupados.

Continua a fazer a barba.

“Lídia pergunta se você está. O que eu digo?”

“Diga que ela ligou para o telefone errado. Que é erro da operadora. Coisa mais normal hoje em dia, ora.”

E enquanto a malfeitora desvia a atenção da amiga para o erro, ele se junta ao corpo dela. Acaricia suas coxas. Começa a beijá-la. No mesmo momento ela entende o gracejo. Desliga o telefone, se vira e começa a ofender o ego do rapaz.

“Imagina. Pra tanto amor. Tanta paixão. Até que ela desiste bem... Ou não será que o receptor do carinho desmerece tanta atenção? Afinal, tratou a amiga dela tão bem?...”

“Se acha que não mereço... Porque ainda me procura? Não se cansa de bancar a sacana só pra alguns e parecer gentil com a maioria...” A frase causa efeito em ambos... O silêncio se instaura por alguns segundos. Mas ele novamente interrompe: “Que foi? Só porque comigo não precisa fingir, né? E ser quem você realmente é? Olha, você já teve o que queria. Agora tenho que ir. Hoje é sexta e tenho mais o que fazer.”

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Contos Sobre o Café.




Em vias de botar quente neste blog que estava, quase inoperante, aí vai o primeiro capítulo do primeiro conto: "Café Amargo"

Sirvam-se à vontade!


Café Amargo


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Sentado, mesa a mesa com quem ele menos queria encontrar naquela noite, seria sonho? Seria devaneio? Efeito da sexta rodada de chopp? Não. Era pouco ainda... Ele sorria, tentando entender todas as voltas que já dera na vida... Uma a menos, não ia fazer falta. “Deixe que ela encontra o que procura” – Pensou logo, na tentativa de afastar o pensamento de ir sentar-se com ela, os pseudo-amigos e a escória que a observava.

Desde que o outono caíra, tem sido assim. Adriano Souza Inácio tem se metido em voltas sem começo e sem fim. Depois que abandonou a vida ao lado de Lídia, sua até então, companheira de farra, de bebidas, de noites longas sobre a cama, de viagens, de uma infinidade de prazeres que seria impossível descrever em poucas linhas...

As voltas aproveitavam da boa vontade do homem em sorver cada minuto como se fosse o último. Como se a morte estivesse à espreita e Adriano brincava com ela. Levava uma vida ao lado da morte, como se essa, nunca fosse bater a sua porta. E se isso acontecesse encontraria um sorriso jocoso dizendo: “Por que demorou tanto?”

“Antes a morte, do quê Lídia...”. Dizia. Desdenhando da própria sorte.

Mas aquela não era uma noite comum. Lídia Aquino Moura tinha saído das catacumbas. Certo que sua expressão era detestável. Mas ele conhecia o olhar. E o que havia por trás dele. Daqueles olhos cor-de-mel. Eles escondiam uma fantasia pela vida. Que ora se manifestava em festa. Ora em depressão profunda. Desconhecida. Assim a qualificavam até mesmo suas amigas mais íntimas. E Laura. Ela estava lá. “Lídia, você é imprevisível. Louca e imprevisível!”

Mas desviou seu olhar de Laura. Loira. Atlética. Diferente de Lídia que envergava um corpo extremamente esbelto, beirando a anorexia. Laura Antonelle era dessas mulheres desperdiçadas pelo alto nível intelectual. Que beirava a caretice. “Vai, olhe pra outro lugar!” – Pensou Adriano, se envergonhando de ter dado atenção demais pra quem mais encorajou-o a deixar de fazer a amiga colher frutos malditos da relação.

Pega um pedaço de papel. Laura já o percebe, sorri para amiga. Dá um tapinha nela e cochicha ao ouvido. “Mas que entediante. Aquela vaca pensa que estou ainda afim da Lili!” – Fala para o parceiro, Ronaldo, turbando a paz do amigo que estava a flertar com outras garotas ali.

“Ronaldo!... Porra! Presta atenção aqui...” – “Já falei... Não compensa... Não... Não me diga que vai escrever bilhetinhos??? Fala sério! Que tempo você tem hem? Levanta e vai falar com aquelas garotas ali...” Interrompe.

É certo. Que durante o bate boca entre os dois, Adriano retira da cabeça a idéia de rabiscar palavras surdas e passa a desenhar seu rosto no espelho. Tinha inveja. Do desprendimento de certos artistas. Desprendimento das formas perfeitas. Lembra de Picasso. Lembra de Rembrant. Lembra de Monet. E lembra que deixou o desenho, a pintura, a arte, pra se embrenhar em uma bela faculdade particular, gastar horrores, pra servir de “garçom” em uma empresa exportadora. Era o que ele dizia. Preferia horas desenhando a fio. Desenhos medíocres. A prestar contas. De suas decisões para a empresa. Dos resultados. Dos cafés que tomava... E que servia... Ria. Um sorriso saudavelmente irônico. Afinal, não existia melhor distribuidora de café, do que aquela em que trabalhava.