segunda-feira, 29 de abril de 2013

Era uma vez


Era uma vez

Quanto tudo era possível
O sol brilhava mais forte
As cores eram mais vivas
A música fazia sentido

Era uma vez

Banhos rápidos
A noite te espera
As roupas se adequam ao corpo
E todo corpo cheira o puro desejo

Desejo que não cabe
Não tem
Continente que cabe

Desejo de ser mais que humano
Herói da história de si mesmo

domingo, 28 de abril de 2013

Motocicletas e Sedução

Sempre gostei de motos. Mas as motos estradeiras.
Elas geram ruído, como as esportivas de alta velocidade.
Mas é um ruído mais grave. E prefere estradas.
As esportivas não. Gostam de mostrar seu poder.
Poder de bundas na garoupa. Poder de ruído invencível. Poder que só serve em porta dos bares e boates da cidade. Não, mais nada.
E a cena se estende.
Uma senhora, ora com os filhos, pra um Deus cada vez mais distante da sociedade. Das bolsas de valores, universidades, e quem diria? Dos centros religiosos. Um deus do beijo, do olhar amável, do abraço, das palavras doces de amor...
E não palavras pedindo seu cartão, senha e prometendo negócios inimagináveis.
Deus já abandonou essas casas. É muito sutil, angelical para conviver com a imensa maldade.
Mas a senhora cala. Para a oração. A moto esportiva nervosa não pede licença, passagem, não tem a menor consideração. Seu invencível ruído, como um poder de inigualável vilão, interrompe o ato de amor.
A moto vai embora, a oração continua.
Em seu coração, a senhora reza:
Para que o piloto não termine com o destino de muitos outros pilotos do poder: morte triste, capa de jornal que abala a família. Que abala a multidão, pasma.
Para que seus filhos não se entreguem a mesma sedução.
Para que o singelo amor, ainda tenha tempo de atingir outra família, outras inúmeras almas.
Que ele sobreponha ao imenso poder e dele ainda tenha perdão.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Lotado


Começou o frio.
Inversão térmica. Poluição. Tudo arde. Narinas, garganta, olhos.
É a cidade. Hora do “rush”. Faróis acesos. Buzinas. Vitrines. Semáforos.
Tudo arde.
Eu acendo um cigarro. Trago. Espero. As veias entopem. Artérias. Trombose.
E daí?!
A cidade está entupida. Carros, motos, vans. Um ônibus. Um ônibus?!
Um único ônibus.
Eu espero. Trombose. A senhora não. Está com pressa. Buzina. Freios ardendo. Trombada. A senhora recua. Espera nova passagem. Provocou o acidente. Mas ela tem pressa. Seu ônibus está à frente. Corre. O ponto está longe.
Passa, com sinal aberto para todo mundo. Menos para ela.
Corre. O ônibus, para. Cansado. Como se esperasse.
Ela chega na porta do ônibus. Vai subir?
Não, alguém entrou antes. Esse alguém recua nas escadas. O único ônibus nessa confusão está lotado.
Mas e daí?
Tá tudo lotado. Eu que tenho pernas. Estou próximo. Estou lotado. De tristeza. Angústia. Cigarro. Poluição. No ar. Nos olhos. Na alma.
E daí?!
Os prédios, lojas, postos de gasolina, lanchonetes, mentes... Barulho!!!
Tá lotado.