Segue:
"Tremor Exagerado"
1
Mesmo com tanta angústia, se sentia satisfeito. Não dar atenção para o mundo. Se prender no seu. Perceber que a realidade pode estar apenas dentro de si mesmo. Do indivíduo.
“Quem quer saber o que eu penso? Querem que eu saiba o que pensam? Então não me escutam? Tudo bem, eu mostro pra eles o que penso!”, refletia Ian enquanto continuava a fumar seu cigarro.
“Café, faz falta um agora...” Resmungava para si mesmo.
Sujeito fechado, cheio de manias e teimosias, era considerado assim o jovem artista plástico: Ian Bortago.
Anti-carismático, quando chegava a alguma exposição sua, concluía que todos ali estavam muito aquém do que realmente acreditava: a dor.
Dor de não existir.
“Ninguém existe. Vivemos num mundo milhares de vezes, re-copiado!”
Cheio de frases de efeito. A maioria esmagadora achava difícil conviver com um sujeito assim. A não ser Perla.
Filha de criadores de gado, Perla vivia num mundo de ilusão e achava difícil aceitar sua realidade, mas se entregava assim mesmo, com muito jogo de cintura. Sabia que devia muito aos abastados da família Noleto, e seus amigos, muito mesmo!
“Sou o que comi do suor deles. E sou grata a isso.”, suspirava para Ian, durante uma visita ao amigo no seu pequeno, porém charmoso ateliê.
“A vida do Leblon está aqui Ian!”, falava Perla enquanto olhava para a retratação de um casal de gaivotas destacado no meio da multidão, no céu escarlate do por do sol.
A pintura de Ian tinha muito de expressiva. Traços fortes, tensos, cores fortes, puras. Às vezes, o dedo era seu próprio pincel, nada de formas perfeitas. O belo atacava o visual através do olhar assustado, cheio de dúvidas sobre o que se tratava, mas firme no impacto. Acabava transmitindo para o admirador mais insistente, sua mensagem e intimidando os admiradores menos pacientes com sua visão desligada da realidade pertencente ao comum, ao social, ao padrão.
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