quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Tremor Exagerado - 3a Parte

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Eles entram. Figuras do Rio, influentes na arte, admiradores com alto poder aquisitivo. Muitos estão ali para observar, admirar, entender o que se passa na mente dos expositores. Outros, meramente buscam contatos, para seus empreendimentos, para deleite noturno.

Ian está a degustar um café. Fora da área de exposição. E pensando na dificuldade de comunicação com esse mundo que para ele é hipócrita. Medonho.

Perla chega, ainda não tinha entrado. Para no café para falar com o amigo.

“Então Ian. Não vai entrar.”

Ele não responde.

“Ian. É sua arte...”

Ele interrompe. “Eles não merecem. Pensam que estão comprando bilhetes para a alma do expositor. Quando na verdade estão expondo todas as suas fraquezas. Poder. Pedância. Hipocrisia.”

“É Ian... Compreendo-te. Mas tem que admitir que são eles que pagam suas contas.”

“Gostaria de não tê-las. Estou me cansando desta cidade.”

“Bom... Vou ver o que aprontou.” Ri com carinho a amiga.

Perla entra. Com ar de quem vai ceiar a mais bela das ceias. Com fome de compreender a alma dessas pessoas completamente absorvidas por suas interpretações da realidade. “Como podem ter capacidade de captar tanta coisa?” – Pensa.

E se assusta. Logo que entra é recebida pela exposição de Arnaldo. Vê a interação de pequenos robôs que riem um do outro, fecham portas, voltam à abri-las e riem novamente. Como crianças. Um deleite. Quanta tecnologia aplicada pra mostrar um sentimento humaníssimo.

E passeia. Para. Ri. Sente. Emociona-se. Não percebe quem está ali e continua para as outras exposições.

Lê a apresentação. “Ian Bortago.”

Respira fundo para admirar o que o amigo fez. E não acredita no que vê. Sente um nojo. Do coração escorrendo pela parede. E sangue em seguida. Vísceras. A parede de ladrilhos brancos. Um avental de plástico no chão... Branco. Suspira. Entende.

“É um abatedouro!” Pensa indignada. Seria uma mensagem para ela? “Olha o que seus pais fazem.” Pensa em Ian te dizendo.

E sai da exposição. Furiosa. Possessa.

Dirige-se ao café.

“Ian deve estar tomando o décimo terceiro expresso.”

E estava. Além da feição absorta em si mesmo, um cinzeiro repleto de esqueletos de cigarros.

Ele a vê. E sorri. Sorri como quem sorri de alguém ridículo.

Ela o aborda.

“Porque fez isso?”

“Porque é o quero que veja.”

“Eu sabia!”

Não se despede e deixa o MAM, as exposições e Ian a se entupir de café.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Tremor Exagerado - 2a Parte

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Dia 19 de outubro de 2007. Mais uma data pra ser marcada no calendário pessoal de Ian. Hoje ele está a montar uma exposição diferente no MAM. Cuidadosamente posiciona objetos de sua criação. “Não sei como consegui chegar a esse ponto de vista.”, murmura para si mesmo. “Mas, com certeza é a ideologia mais próxima que tenho do abate de bois e vacas.” e ri. “Engraçado. Fico pensando na semelhança anatômica com o ser humano. Poderiam ser eles, bois e vacas, a retratar o nosso abate aqui!”.

Aquele fim de ano era diferente para Ian. Foi convidado a expor com construções. Já conheciam sua prática com objetos e composições. “Aquilo é demais!”, pensava o curador, assistindo cuidadosamente a colocação dos objetos e a finalização com outros instrumentos: tinta, cola e adereços diversos.

“Pronto!” - virou-se para o Curador, Ian.

“Está excelente!” - responde o responsável pela exposição no MAM.

Nesse momento chega Arnaldo, Arnaldo Rogierard. Artista Plástico, que usa elementos eletrônicos de última geração em suas composições. Festejado pela comunidade que entende sobre o que há de mais vanguardista. “Sujeito intrometido...” - Pensa logo Ian. Não suporta o ar pedante e falsamente imponente do colega.

“Ian. Sempre com sua visão extremamente política. Não gosta de carne vermelha?” - Ri o artista rival, de forma provocante.

“Já me vou, senhor. Terminei o que tinha pra fazer aqui!” - Fala Ian ao curador.

“Obrigado por participar. Sua obra é muito singela.”

“Bom... Eu ainda tenho que montar um último circuito elétrico. Mas enfim. Tempo tenho de sobra. Não é senhor?” Pergunta Arnaldo ao curador.

“O senhor que sabe. Contanto que às oito horas possa preparar a entrada dos convidados, Arnaldo.” Responde de forma ríspida.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Voltei... Para postar outro conto!

Pra publicar esse conto que me foi caro...

Segue:

"Tremor Exagerado"

1

Mesmo com tanta angústia, se sentia satisfeito. Não dar atenção para o mundo. Se prender no seu. Perceber que a realidade pode estar apenas dentro de si mesmo. Do indivíduo.

“Quem quer saber o que eu penso? Querem que eu saiba o que pensam? Então não me escutam? Tudo bem, eu mostro pra eles o que penso!”, refletia Ian enquanto continuava a fumar seu cigarro.

“Café, faz falta um agora...” Resmungava para si mesmo.

Sujeito fechado, cheio de manias e teimosias, era considerado assim o jovem artista plástico: Ian Bortago.

Anti-carismático, quando chegava a alguma exposição sua, concluía que todos ali estavam muito aquém do que realmente acreditava: a dor.

Dor de não existir.

“Ninguém existe. Vivemos num mundo milhares de vezes, re-copiado!”

Cheio de frases de efeito. A maioria esmagadora achava difícil conviver com um sujeito assim. A não ser Perla.

Filha de criadores de gado, Perla vivia num mundo de ilusão e achava difícil aceitar sua realidade, mas se entregava assim mesmo, com muito jogo de cintura. Sabia que devia muito aos abastados da família Noleto, e seus amigos, muito mesmo!

“Sou o que comi do suor deles. E sou grata a isso.”, suspirava para Ian, durante uma visita ao amigo no seu pequeno, porém charmoso ateliê.

“A vida do Leblon está aqui Ian!”, falava Perla enquanto olhava para a retratação de um casal de gaivotas destacado no meio da multidão, no céu escarlate do por do sol.

A pintura de Ian tinha muito de expressiva. Traços fortes, tensos, cores fortes, puras. Às vezes, o dedo era seu próprio pincel, nada de formas perfeitas. O belo atacava o visual através do olhar assustado, cheio de dúvidas sobre o que se tratava, mas firme no impacto. Acabava transmitindo para o admirador mais insistente, sua mensagem e intimidando os admiradores menos pacientes com sua visão desligada da realidade pertencente ao comum, ao social, ao padrão.