sábado, 24 de agosto de 2019

A morte do amor


Me resta no tom modal
Da mídia social
Lamentar o que não será

Me resta o sono violento
As teclas do piano 
Pra dizer o que é comum

Uma dor pertinente
De quem sente o que vem pela frente
A chacina de mais um

Um índio “perigoso”
Um antro de beleza e gozo
Que não paga seu desjejum

Me restam rimas tortas
Pregos lançados em portas
Avisando em cartazes

O fim chegou

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Um Muro



O mundo endureceu comigo
Ergueu um muro

E do silêncio que habita agora em mim
Descem lágrimas de quem duvida 
Da possibilidade de subir

Mas o tempo nos fortalece
E sabemos que se um caminho se fecha
Outro se abre

Deixa as pedras no chão 
E percorra a estrada que te quer

Naquela, fica o muro 
Que antes não estava ali

domingo, 9 de junho de 2019

Colono aculturado


Eu não sei sambar
Eu não sei catira
Na minha alma quebrada
Monto um mosaico com guitarras, baixos e baterias
Com os pedaços de jeans rasgados
Fixo minhas memórias anotadas em versos tortos
Páginas de livros mortos
Todas as canções que consegui guardar pra mim
Restam as horas perdidas de sono
As doenças acumuladas dos anos
Num breve sorriso
Que só meus olhos conseguem sentir
Se eu pudesse voltar atrás e equilibrar esse relógio mórbido que a morte deu pra mim
Faria um único pedido
Caminhar mais em mim essa estrada sem fim

sábado, 8 de junho de 2019

Eu amo meu país...




Eu amo meu país
Mas não um país entregue
Vendido
Eu amo meu país 
Nos olhos de quem aqui fez vida
Eu amo meu país 
Apesar da escória bandida
Já abrigou muita gente feliz
Muita natureza escondida
Agora ele parece uma ferida
Aberta, sangrando
Que não pode ser contida
Mesmo assim
Eu amo meu país...
Que doença será essa a minha?

Eu amo meu país 

quarta-feira, 5 de junho de 2019

O Monstro em Mim



Hoje eu vi
O monstro em mim
Hoje eu vi
Desses que assustam crianças
Não tenho medo dele
Eu o entendo
Ele cresceu
Entre pessoas individualistas e competitivas
Na falta de gentileza
Cresceu
Hoje eu vi
Que ele pode me deixar
Que eu viva sem ele
Sim
Hoje eu vi
O monstro em mim

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Bem Vindo!



E a sensação do sol brotando no horizonte?
Do orvalho evaporando?
Das borboletas passeando?

Parece o prenuncio de uma era mágica
Esperando muito pra ser anunciada

Não!
Não adianta espernear!
Não adianta ser contra.
O amor esperou muito pra ficar
Fez casa sólida
E convidou todos pra entrar

Seja bem vindo!
Basta querer e acompanhar
Ter um coração limpo de mágoas e preconceitos
E participar

Venha nova era!
Venha nos ensinar a novamente
Dançar!

terça-feira, 14 de maio de 2019

Deus?!


Quando foi que abandonei a mim?
Quando foi que abandonei...
Aquele olhar sobre as teclas do piano
Sobre as copas das árvores 
Aquele assombro com o canto dos pássaros?

Eu nem lembro
Quando ter vale mais que sentir
Sim, não ser
Mas, sentir
O doce perfume da chuva que passou
Do cheiro da terra e das plantas 
Inundando minha memória 

Porquê?
Se foi essa vontade de sentir
E abriu esse vazio de possuir
Que nunca finda

Por mais que se tenha
O objeto mais desejado
Ainda, resta um desconsolo imenso...

Traz de volta, Deus!
Minha alma
Meu sentimento

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Carta pra Dona Belinha




Oi Vó
Sei que você se foi
Foi?
Eu ainda sinto seu cheiro.
Ouço sua risada e seu conselho 
Ouço o barulho das águas nas suas flores
Ouço o olhar sincero de quem ouve
E as palmas alegres pra vitória da família 
Fico aqui pensando
Se o corpo realmente foi
Ou se preside cada membro dos que estão de pé
Atentos 
E orando
Para que cumpram a poesia
De viver com fé
Fé que você nos deixou
E que insiste em ficar

quinta-feira, 28 de março de 2019

Casa de Vó



Lembro daquele cheiro que acaricia as narinas
Dispostas a umidificar a memória 
Lembro de tocar o concreto adornado de musgos feito moldura
E gotas de chuva salpicarem minhas mãos 
Lembro do concordar das folhas com as prosas na varanda
Lembro dos raios de sol buscando espaço entre suas flores e suas fiéis abelhas
Lembro do barulho de água jogada pelo balde ungido com restos de refeições 
Dos disparos de fogos e foguetes calando mordidas em milhos verdes
Lembro dos sorrisos alegres
Fartos de companhia
Lembro das doçuras das orações que provavam sabedoria
Lembro da cidade velha nos rostos dos leiteiros ao meio dia
Das gincanas e jogos alegres que despertavam a vizinhança 
Dos abraços suados pra comemorar essa alegria
Da saudade que eu sinto de toda essa poesia
Me emociona que o tempo só vive agora na minha memória que não se explica
Mas queria rogar
Volte infância querida
E ela me responde
“Seja grato, ainda vai sentir falta do dia que me escreve

Agora outros provam a minha cortesia”

quarta-feira, 13 de março de 2019

Reconectando



Eu tinha um hábito na infância. Olhar por um tempo não marcado, mas imagino, longo pro espelho. Pro fundo dos meus olhos. Não sei porque fazia isso. Mas sei que me fazia bem. De alguma forma, a memória que tenho é que via algo muito bom. Ontem de alguma forma me sentia distante desse garoto. Confiante no país que vivia. Meus pais eram pobres. Eu tinha duas irmãs. Talvez seis anos. Queria aprender música. Muito. Mas não havia a possibilidade, nem financeira nem de alguma escola acessível. Nem de professor. Improvisava. Pegava um guarda-chuva e fingia ser um baixo. Meus amigos curtiam e queriam formar essa banda imaginária. Caminhar comigo nesse sonho coletivo. 

Ontem me senti distante. Hoje sou músico. Toco mal o baixo. Mas me viro. Sou um pianista razoável. Componho. Escrevo letras de músicas que me encantam. Costumo falar: mesmo que estivesse na plateia, estaria muito feliz em ver o show que faço com meus amigos e companheiros. Mesmo assim, uma esperança se perdeu... Em algum lugar a luta pra sobrevivência sobrepôs a compaixão. Em algum lugar a luta por sobrevivência vem sobrepondo irmandade, caridade e um ombro amigo. Um ouvindo atento. Uma alegria espontânea.

Sinto que sou reflexo de um tempo e uma civilização que não socializa. Mas se desafia.


Tomara que isso seja produtivo. Tomara que isso gere algo melhor do que somos hoje. Porque a sombra que se aproxima parece querer nos afundar todos num ódio ansioso, que não sabe nem qual o próximo passo da civilização.