Eu tinha um hábito na infância. Olhar por um tempo não marcado, mas imagino, longo pro espelho. Pro fundo dos meus olhos. Não sei porque fazia isso. Mas sei que me fazia bem. De alguma forma, a memória que tenho é que via algo muito bom. Ontem de alguma forma me sentia distante desse garoto. Confiante no país que vivia. Meus pais eram pobres. Eu tinha duas irmãs. Talvez seis anos. Queria aprender música. Muito. Mas não havia a possibilidade, nem financeira nem de alguma escola acessível. Nem de professor. Improvisava. Pegava um guarda-chuva e fingia ser um baixo. Meus amigos curtiam e queriam formar essa banda imaginária. Caminhar comigo nesse sonho coletivo.
Ontem me senti distante. Hoje sou músico. Toco mal o baixo. Mas me viro. Sou um pianista razoável. Componho. Escrevo letras de músicas que me encantam. Costumo falar: mesmo que estivesse na plateia, estaria muito feliz em ver o show que faço com meus amigos e companheiros. Mesmo assim, uma esperança se perdeu... Em algum lugar a luta pra sobrevivência sobrepôs a compaixão. Em algum lugar a luta por sobrevivência vem sobrepondo irmandade, caridade e um ombro amigo. Um ouvindo atento. Uma alegria espontânea.
Sinto que sou reflexo de um tempo e uma civilização que não socializa. Mas se desafia.
Tomara que isso seja produtivo. Tomara que isso gere algo melhor do que somos hoje. Porque a sombra que se aproxima parece querer nos afundar todos num ódio ansioso, que não sabe nem qual o próximo passo da civilização.
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