Sempre gostei de motos. Mas as motos estradeiras.
Elas geram ruído, como as esportivas de alta velocidade.
Mas é um ruído mais grave. E prefere estradas.
As esportivas não. Gostam de mostrar seu poder.
Poder de bundas na garoupa. Poder de ruído invencível. Poder
que só serve em porta dos bares e boates da cidade. Não, mais nada.
E a cena se estende.
Uma senhora, ora com os filhos, pra um Deus cada vez mais
distante da sociedade. Das bolsas de valores, universidades, e quem diria? Dos
centros religiosos. Um deus do beijo, do olhar amável, do abraço, das palavras
doces de amor...
E não palavras pedindo seu cartão, senha e prometendo
negócios inimagináveis.
Deus já abandonou essas casas. É muito sutil, angelical para
conviver com a imensa maldade.
Mas a senhora cala. Para a oração. A moto esportiva nervosa
não pede licença, passagem, não tem a menor consideração. Seu invencível ruído,
como um poder de inigualável vilão, interrompe o ato de amor.
A moto vai embora, a oração continua.
Em seu coração, a senhora reza:
Para que o piloto não termine com o destino de muitos outros
pilotos do poder: morte triste, capa de jornal que abala a família. Que abala a
multidão, pasma.
Para que seus filhos não se entreguem a mesma sedução.
Para que o singelo amor, ainda tenha tempo de atingir outra família,
outras inúmeras almas.
Que ele sobreponha ao imenso poder e dele ainda tenha
perdão.